FICÇÃO
Entre livros
1º Capitulo
Quarta-feira e estou na biblioteca da faculdade. Venho à
procura de um livro. Adoro a calma que o espaço transmite. Dirijo-me a uma das
estantes e continuo à procura até chegar à estante do fundo. Ele está
sentado na mesa atrás. Sem perceber porquê, dou por mim sem jeito por vê-lo
mais uma vez. Ele dá pela minha presença e sorri. Ligeiramente atrapalhada, mas
esperando que não note, volto a atenção para os livros da prateleira à minha
frente, mas não encontro nada. Não sei se pareço frustrada, mas ele levanta-se
e oferece-se para me ajudar. A sua voz é grave, mas terna. Ainda não tinha
olhado para ele de tão perto e confesso que gosto do que vejo. Perco-me por
momentos nos seus olhos castanhos, mas acabo por descrever-lhe o livro que
procuro. "Aqui está", ele encontra-o em segundos e entrega-mo.
Como é que não o tinha visto? Estava mesmo à minha frente. Agradeço-lhe pela
ajuda, com um sorriso tímido, ao qual ele retribui, sem desviar o olhar.
Despeço-me, mas sem vontade de ir, e dirijo-me à saída. Antes de fechar a
porta, volto-me e percebo que olha para mim...
Nunca antes tinha reparado nele. Mas agora têm sido
inúmeras as vezes que passamos um pelo outro. De todas as vezes que o vejo,
sinto que quero ficar a admirá-lo e penso se não quererá o mesmo...
2º Capitulo
É Quarta-feira e estou de volta à biblioteca da faculdade.
Tenho um trabalho para terminar, mas essa não é a razão principal que me trás
cá. A verdade é que tenho esperança de encontrá-lo por aqui. Desde há três
semanas que acontece e desde então tenho passado por aqui, para o ver uma outra
vez. Ele presenteia-me sempre com um sorriso e eu retribuo. E o nosso olhar
cruza-se timidamente por várias vezes.
Passam cerca de duas horas desde que cheguei. Consegui
adiantar mais do que tinha planeado. Mas não há sinal dele. Dou a tarde de
estudo por terminada e arrumo as coisas. Ao dirigir-me à saída vejo-o entrar.
Vem acompanhado de dois amigos. Parece surpreendido por me ver. No entanto, ao
passar por mim, sorri-me e eu digo-lhe "Olá", sorrindo também
e fechando a porta atrás de mim. Não olho para trás, mas sinto que ele o faz e
oiço a porta abrir. "Já vais embora?", pergunta-me de repente.
Digo-lhe que tenho mesmo de ir. Mas a minha vontade é ficar... "Podemos
combinar um café um dia destes?", diz-me, não me deixando ir. Sou
apanhada de surpresa, mas sinto como se me tivesse lido o pensamento. "Claro,
um dia destes" respondo. Sorri-me e eu não contenho o meu sorriso
envergonhado. O nosso olhar prende-se e acho que coro. Acabo por sair, mas
espero ansiosamente pela próxima vez...
3º Capitulo
Estou mais uma vez de volta à biblioteca. Venho devolver um
livro e requisitar outro. A isto junta-se a vontade de vê-lo novamente, mas hoje
não tenho sorte, visto que as aulas terminaram na semana passada. Lembro-me que
não chegamos a combinar o tal café... Dirijo-me a uma das estantes, quando oiço
passos atrás de mim. Não me volto. Será ele? O meu coração acelera. Não pode
ser. Paro a meio do corredor, volto-me de repente e... é a senhora da recepção.
Trás um livro na mão e diz-me que o lá deixaram, para que me fosse entregue.
Acho estranho, mas recebo-o. Não conheço o livro e quando o folheio, um papel
dobrado cai do meio de duas páginas. Abro-o e leio:
"Hoje não pude estar por aí, por isso decidi partilhar
um coisa contigo.
É o meu livro preferido. Acho que vais gostar, já que temos
um gosto semelhante.
P.S: Não me esqueci do café.
Pedro"
Até aquele instante nunca me tinha apercebido de que não
sabíamos o nome um do outro. Já sei o dele, mas ainda não lhe disse o meu. De
certo modo, este tornou-se o nosso ponto de encontro sem darmos por isso. Não
combinamos nada, mas vimos sempre na esperança de nos encontrarmos. E desta vez
ele sentiu que devia justificar a sua ausência e deixar-me um pouco de si. Foi
um gesto bonito que me deixou com um sorriso nos lábios o resto da semana.
4º Capitulo
A semana passada não tive tempo para esperar por ti, embora
o meu desejo fosse ver-te mais uma vez. Nunca temos hora marcada, é certo, mas
às quartas-feiras sei que te encontro por cá. O que dizemos um ao outro pode
ser muito pouco ou nada, mas as poucas palavras que trocamos dão-me vontade de
te ver mais e mais. Como não pude ficar, decidi deixar-te uma mensagem escrita
no livro que me emprestaste e pedi que te indicassem a estante em que a deixei.
Assinei com a inicial do meu nome, na esperança que descubras as restantes
letras que o compõem.
Hoje, passado uma semana, avisam-me que me deixaste outro
livro na estante do fundo. O meu primeiro instinto é folheá-lo para ver se tem
algo escrito por ti. E tem. Vem num pequeno envelope como se fosse uma carta:
"Aqui tens mais um livro que te irá deixar imersa no
enredo. A semana passada fiquei com pena de não te ter visto. Já me
habituei a ir para casa com a imagem do teu sorriso gravada na minha
memória. Quanto ao teu nome, confesso que tenho um palpite, mas gostava
que mo confirmasses quando vieres tomar café comigo. O que me dizes do café da
livraria da rua paralela à faculdade? Espero por ti, para a semana às 15h.
Serei aquele com um livro na mão.
Pedro"
Li a carta cinco vezes e de cada vez que a li, absorvi cada
palavra atentamente para que nada me escapasse. Naquele momento a minha vontade
era pular de alegria, mas lembrei-me que estava na biblioteca. Por dentro, toda
eu era fogo de artificio. Será o nosso primeiro encontro de verdade.
5º Capitulo
Chego à livraria à hora marcada. Enquanto espero por ti vou
explorando o espaço. É tão calmo e cheira a café e livros antigos. Estou a
percorrer as estantes quando chegas, sem que me consiga aperceber. Vens de
mansinho e perguntas-me baixinho: "Será
Inês, o teu nome?". Estou de costas para ti e sorriu sem que consigas
ver. "Talvez",
respondo, sem me virar. Afinal o teu palpite estava certo. O teu braço
desliza pelo meu, enquanto tentas chegar à estante à minha frente. Fizeste de
propósito. Sinto-me a arrepiar e o meu coração palpita. "Devias experimentar este", dizes-me, tirando um livro.
Estremeço ao som da tua voz calma e volto-me para ver o que me recomendas. Não
conheço o livro e fico tempo mais do que necessário a ler a sinopse. Não olho
para ti. Estás tão perto, que sinto que se o fizer descobres todos os meus
segredos. "O que achas?", perguntas-me. "É parecido com um que já li", digo-te. Os meus olhos
finalmente encontram os teus e consigo captar cada traço do teu rosto e
perceber como és belo. Nunca estivemos tão próximos e desejo não me
afastar nunca. Quero ficar aqui a olhar-te...
6º Capítulo
Quando chego à biblioteca, procuro por ti por entre as
estantes, mesmo sabendo que não é dia de aqui estares. Tenho pena quando não te
encontro, mas agora sei que, mesmo quando não estás, não fico sozinha.
Deixas-me sempre alguma coisa escrita. Por isso vou à estante do costume e abro
o livro do costume. Encontro um envelope e abro-o. Passo os dedos pelo papel,
que está escrito com a tua letra e leio-o:
"Gosto do facto de, para além dos nossos breves
encontros, esta ser a única forma de comunicarmos. Não combinamos encontrarmos,
mas a verdade é que sei sempre quando te vou ver e, acredita, a expectativa
toma conta de mim durante grande parte do dia.
Ah, fiquei com o teu cachecol. Deves tê-lo deixado cair ao
sair do café, na semana passada. Reparei nele quando ia a sair, mas já não fui
a tempo de to entregar. E ainda bem. Tem o teu cheiro. E de cada vez que olho
para ele lembro-me ainda mais de ti e desse teu sorriso que teima em não sair
do meu. Hoje, para além desta carta, deixei-te mais um pouco de mim. Gostava de
saber se descobriste o que é.
Um beijo, Pedro"
Encosto a carta ao nariz e fico com um sorriso parvo estampado no rosto. Sim, descobri. A carta tem o teu cheiro. Consegues sempre surpreender-me. Sorrio ainda mais quando percebo que não chegamos a trocar contactos. O que quer dizer que a única forma de reaver o cachecol, é ver-te novamente. Sorrio e sorrio apenas. Acho que nunca fiquei tão satisfeita por perder alguma coisa.
7º Capítulo
O relógio marca as 19 horas quando saio da faculdade. Já
anoiteceu e sinto o ar gélido na minha face corada. Enrosco-me no cachecol
enquanto caminho até ao metro. A cidade está tão bonita, mas hoje não fico a
olhá-la. Só quero ir ter contigo e contigo estar.
Entro no café e sinto o ar quente, mas é o calor do teu
abraço que me aquece. As nossas conversas desenrolam-se como novelos. Conversas
sobre interesses comuns ou gostos próprios. Temos sempre assunto e pouca
vontade de deixar a companhia um do outro. Hoje falámos de amores e desamores,
paixão e atracção. A tensão sempre presente. Contaram-se segredos e
experiências passadas. Mas falou-se, sobretudo, do futuro. O teu olhar fixa no
meu e reparo que não o desvias até eu terminar de falar. E mesmo quando acabo,
permaneces a olhar-me como se me estivesses a estudar. Elogias o meu sorriso
quando, envergonhada, desvio o olhar desses teus olhos castanhos e tocas-me na
mão. Acaricias-me gentilmente e sinto as minhas mãos deixarem de tremer, mas o
meu peito palpita. Entrelaço os meus dedos nos teus e olho-te nos olhos, com
vontade de perder-me neles.
De um momento para o outro tornaram-se certos estes
encontros. Mais um livro ou mais um café, tudo é pretexto para nos vermos mais
uma e outra vez. Queria que o relógio parasse, mas acaba sempre por chegar a
hora em que cada um de nós tem de ir. Fica sempre a promessa de um novo encontro,
mas a imensa vontade de por ali ficar. Não pelo café, não pelos livros, mas por
ti...
8º Capítulo
É meia noite e levas-me a casa. Caminhamos lentamente, no
frio da noite, como que a prolongar o tempo passado juntos. Chegados ao
destino, agradeço-te a companhia e despeço-me de ti com um beijo demorado no
rosto. Não quero que vás e percebo que o desejo é mutuo. Sinto a tua
mão segurar a minha, antes de te deixar e os teus olhos fixam mais uma vez os
meus, transmitindo-me segurança e desejo. A vontade de não te largar é mais que
muita e o meu ritmo cardíaco acelera. Antes de me poder aperceber, os teus
lábios encontram finalmente os meus, num misto de delicadeza e intensidade. A
tua mão envolve a minha cintura e sinto-me a relaxar nos teus braços. Não houve
frio que me incomodasse. Naquele momento só os teus lábios roubaram a atenção
ao teu olhar e perdi-me neles. "Sabes há quanto tempo desejava este
momento?", perguntas-me. "Provavelmente há tanto quanto eu...",
respondo-te e sorrimos de rosto fixo um no outro e mãos entrelaçadas. Beijo-te
os lábios, mais uma vez e assim nos despedimos. O sorriso que levo comigo não
esmorecerá nem por nada.
9º Capítulo
"Vem ter comigo amanhã às 20h, no jardim de que te
falei.
Um beijo, Pedro"
Esta semana a tua mensagem é curta, mas nem por isso menos
especial. Contei as horas até o relógio marcar perto das 20h, mas os ponteiros
pareciam adormecidos. Quando chego ao jardim, à hora marcada, já o sol se pôs
há um tempo e deu lugar à lua. As árvores formam um corredor acolhedor, que
percorro à tua procura. A iluminação é pontual. A não ser a luz da lua, são
poucos os candeeiros que iluminam o jardim, dando-lhe um ar escuro, mas com um
certo romantismo. Sinto-me entusiasmada e ansiosa por ver-te novamente. Ao
fundo vislumbro algumas lanternas dispostas na relva, ao redor de uma manta.
Sorrio quando percebo que nos preparaste um piquenique. Aproximas-te por detrás
de mim e cumprimentas-me com um abraço quente. O teu toque tanto é seda como
fogo. Entregas-me outra flor, beijas-me a testa e pegas-me na mão para me
mostrares o que preparaste. Sentamo-nos e provamos um pouco de tudo o que
trouxeste. Conversamos sobre tudo um pouco, deitados sob a relva e bem perto um
do outro. Beijo-te os lábios, que agora sabem a laranja, do sumo que bebemos.
São doces e suaves e fazem-me querer beijar-te ainda mais. Recosto-me, de
cabeça na relva. E, sim, ficamos a olhar as estrelas, de mãos entrelaçadas e
corações quentes.
10º Capítulo
É fim de tarde e estou sozinha na biblioteca. Oiço a porta da
biblioteca fechar-se, mas não avisto ninguém. Sinto passos e pareces-me tu. É
estranho, porque não é dia de nos encontrarmos. Caso sejas tu, quero que me
encontres. À pressa, tiro um livro da estante para disfarçar e parecer
despercebida. Folheio-o e fico atenta, mas deixo de ouvir passos. Estranho,
achava mesmo que eras tu. Está tudo em silêncio e só oiço o folhear das páginas
do livro que tenho na mão e o som do meu respirar. O meu coração acelera
com a expectativa. No momento seguinte sinto leves passos atrás de mim e
quase imperceptíveis. Os passos ficam mais próximos, mas não me
volto. És tu. Sinto a tua respiração no meu cabelo e o meu coração acelera. As
tuas mãos deslizam pela minha cintura e puxas-me para ti. Beijas-me o pescoço e
sinto o meu corpo tremer. Os teus beijos são descargas eléctricas na
minha pele e não quero que pares. Beijo-te os lábios e sinto as tuas mãos pelo
meu corpo. Os nossos lábios separam-se e sinto as nossas respirações ofegantes.
Junto o meu rosto ao teu e encosto a minha mão ao teu peito, que me responde
acelerado. Os teus lábios percorrem o meu rosto e segredas-me ao ouvido: "Gostava que estivéssemos sozinhos". Leste-me
o pensamento.
11º Capítulo
"Hoje encontra-me onde juntos conseguimos ver o mundo,
mas o mundo não nos vê.
Um beijo, Pedro"
Mais uma simples mensagem, mas que me deixa de coração
cheio. Sei perfeitamente o sitio a que te referes. É o topo do edifício mais
alto da cidade, onde de vez em quando nos encontramos. Podemos estar sozinhos e
ter um olhar sobre a cidade, que é raro conseguir. Todas as luzes citadinas,
sob o foco da lua, dão um certo romantismo ao sitio. E, por vezes, não dizemos
nada. Ficamos apenas a contemplar toda aquela beleza, sem ninguém nos ver, mas
de onde podemos ver tudo.
Quando chego ao topo, já está a anoitecer. Vejo-te junto ao
parapeito e reparo num grande cobertor e almofadas pelo chão. Quando dás pela
minha presença, sorris-me como tanto gosto que faças e dás-me um beijo suave
nos lábios. "Hoje vai
haver uma chuva de estrelas e não queria que a perdêssemos por
nada.", dizes-me, e
beijo-te novamente. "Consegues
sempre surpreender-me", digo, de sorriso nos lábios.
Estes têm sido os melhores meses que já alguma vez vivi. As
tuas surpresas alegram os meus dias. O teu toque dá-me energia. As tuas mãos,
grandes e fortes, transmitem-me segurança e adoro senti-las no meu rosto. O teu
abraço protege-me e faz-me esquecer de tudo à minha volta. És real e aquilo por
que sempre esperei. Beijo-te os lábios e repouso a minha cabeça sobre o teu
peito, enquanto me aninhas em ti e nos cobertores. Esperamos juntos pelas
estrelas.
12º Capítulo
Desta vez o Pedro pediu-me para ir ter com ele ao jardim do
piquenique. Quando chego, ele abraça-me como se não me visse há semanas. O seu
toque dá-me tanta segurança e o seu abraço está mais apertado do que nunca.
Quando nos largamos, ele agarra nas minhas mãos e olha para o chão, com uma
expressão que não consigo decifrar se é de tristeza, preocupação, ou ambas.
Ficamos ambos em silêncio, até que ele fala. "Hoje
trouxe-te aqui, porque achava que seria mais fácil dizer-to neste sitio que tem
sido tão nosso". Fiquei eu preocupada. Não sei se quero que continue o
que tem para me dizer. Ele olha para mim: "Não há uma forma fácil
de dizer isto, por isso mais vale dizer de uma vez. É provável que eu continue
os estudos fora do país." -Ele larga a noticia como uma bomba e
sem me deixar pensar, continua: "Foi sempre um grande desejo meu e
dos meus pais. E uma formação lá fora, dar-me-ia muito mais credito e
oportunidades futuras quando regressasse." - Fico parada, a olhar
para ele sem saber o que dizer, o que pensar. "Por favor, diz
alguma coisa...", pede-me. As mãos dele apertam as minhas com força.
O meu coração, que antes batia a mil, agora nem se faz
notar. Ele continua, mas já só o oiço ao longe e não tomo tanta atenção às suas
palavras. Já estão pouco nítidas, mas percebo que é uma decisão mais do que
tomada. Largo-me das mãos dele e levo as minhas à cabeça. Não consigo perceber.
Porquê agora, porquê só agora?, penso. "O que
queres que diga? Não pensaste em dizer-me isto mais cedo? Porque é que deixaste
as coisas chegarem ao ponto em que estão para me contares isso?" - É
a única coisa que consigo dizer. Fico sem energia para mais. Não sei qual era o
seu objectivo em ter-me escondido isto durante tanto tempo. Queria fazer-me
largar tudo para ir com ele? As coisas não são assim tão fáceis. Afasto-me, sem
o deixar dizer mais nada, apesar das suas tentativas em esperar para ouvi-lo.
Vou embora. Estou desiludida. Ele não podia ter feito isto. Não podia ter
planeado tudo sem me dizer nada...
13º Capítulo
Sei que a reacção que tive não foi a melhor. Agi e reagi
sem lhe dar hipótese de se explicar e desvalorizei a importância daquele assunto
para ele. Sei que não foi o correcto e preciso de lhe dizer. Preciso que saiba
que o apoio, seja qual for a decisão dele. Por isso deixo-lhe um bilhete por
debaixo da porta de casa. Sei que não está lá.
"Desculpa a minha reacção. Não merecias e quero
dizer-te isso mesmo. Encontra-me no jardim. Desta vez prometo ouvir-te. Um
beijo, Inês"
Estou à cerca de três horas no mesmo sitio. Já devo ter
pisado cada recanto do jardim e já olhei para a entrada vezes sem conta. Começo
a perder a esperança de que apareça. Mas se não o fizer, perceberei. Mereço
isso. Não tive a melhor reacção e ele tem toda a razão se ficar magoado e não
quiser vir ao meu encontro.
Estou sentada na relva, encostada a uma árvore, quando
finalmente chega. Levanto-me, expectante, mas deixo-me ficar no mesmo sitio.
Tenho receio de qual seja a sua reacção, mas sei que tenho de pedir-lhe
desculpa. Os seus passos são ritmados e não abranda à medida que a distancia
entre nós diminui. Quando já se encontra suficientemente perto para me ouvir,
peço-lhe desculpa, olhando-o nos olhos. Mas antes que consiga acabar de dizer a
palavra, as suas mãos agarram-me o rosto e sinto os seus lábios nos meus.
Beija-me de forma intensa e eu respondo com a mesma vontade. Sinto uma onda de
alivio percorrer-me e deixo de ficar tensa. "Amo-te tanto...",
diz-me, de olhos fechados e rosto colado ao meu. As minhas mãos tocam as dele e
tento que o momento perdure. A reacção que esperava não era esta, mas
conforta-me saber que não ficou magoado. Não precisa de dizer muito depois
disto para eu perceber que compreendeu a minha reacção, tal como eu percebi o
que me explicou ontem, por muito que me custe. Amo-o de igual forma. E, por
isso, custa ainda mais...
14º Capítulo
Falta uma semana para me despedir de ti, Pedro. E
ultimamente as tuas surpresas têm sido mais comuns, mas deixam-me a pensar que
em breve deixarei de te ter por perto. Desta vez viemos acampar à serra e o
ambiente não podia ser melhor. Ficamos na zona mais densa, com as árvores a
criarem um abrigo perfeito.
Estamos cá fora, junto à tenda, ao calor da fogueira. O céu
está estrelado e ouvem-se os grilos, como se fosse uma típica noite de verão. A
conversa vai longa. Envolves-me com o teu casaco, quando começa a
arrefecer e consigo sentir o teu cheiro nele. Olho para ti como quem te quer
junto a mim. Aproximas-te e afastas uma madeixa do meu cabelo para trás da
orelha. Estudas-me o rosto e fixas-te nos meus olhos, que olham os teus. Não
preciso de dizer nada para saberes o que sinto por ti. Beijas-me as pálpebras e
de seguida a ponta do nariz, que está fria. Encontras por fim os meus lábios,
que chamam por ti, e beija-los de forma suave, como que a saborear cada
segundo. Os teus lábios estão agora no meu pescoço e as tuas mãos descem até à
minha cintura e entram pela minha blusa. De olhos fechados, sinto uma onda de
calor a tomar conta de mim e os nossos beijos aumentam de intensidade. Não
quero que pares. Desabotoo a tua camisa e sinto o teu coração acelerado sob a
pele quente. Beijo-te o tronco, enquanto as minhas mãos vão descobrindo o teu
corpo e sinto as tuas no meu. Puxas-me para ti. De respirações ofegantes, somos
envolvidos em prazer e o teu corpo quente torna-se parte do meu.
Esta foi, provavelmente, uma das nossas ultimas noites
juntos...
15º Capítulo (Último)
Estou de volta à faculdade. O Pedro foi embora há mais de
um mês e as saudades são mais que muitas. Hoje acabo a tarde na biblioteca.
Aqui sinto-me mais perto dele, visto que foi aqui que nos conhecemos. Lembro-me
das mensagens que trocámos e dos bilhetes que me deixava dentro dos livros.
Passo os dedos pelas várias capas que estão na estante e dou conta de um dos
primeiros livros que me mostrou. Noto que tem um marcador e, por isso, retiro-o
da estante. Quando o abro, não contenho um grande sorriso ao reparar na carta
com o meu nome, que tem dentro. Decido levá-la comigo para uma zona mais
escondida da biblioteca, sem muitas pessoas. Sento-me no chão, junto a uma das
estantes. Passo os dedos pela carta, por onde terão passado os seus. Abro-a e
está escrita à mão, como sempre fez. São tantas as memórias...
"Inês,
se bem te conheço, deves estar no canto mais sossegado da
biblioteca a ler a carta. Foi o sitio onde nos vimos pela primeira vez e foi
aqui que trocamos muitos olhares, sorrisos e alguns livros. Se pudesse
expressar por palavras as saudades que tenho tuas, mil cartas não chegariam
para o fazer. Sinto falta do teu rosto, do teu abraço, do teu toque e dos teus
beijos. Sinto falta do teu sorriso no meu. Sinto falta de ti.
Esta carta não dita o fim de nada, mas sim o inicio de algo
mais forte. Sei que não será fácil, mas, por ti, estou disposto a lutar sempre
para que fiquemos juntos. Custa não te ter por perto. Enchias e
preenchias os meus dias e agora que estás longe, cada dia custa mais a passar.
Não vou esquecer todos os momentos que passamos e todas as memórias que
fizemos. E acredito que faremos muitas mais. Vejo-te dentro de um mês.
Um beijo apaixonado.
Amo-te, Pedro"
FIM